Prof. Euzébio Guimarães Barbosa - UFRN
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Acredito que muitos dos leitores do nosso blog já tenham jogado Super Mario Bros. Aquele cogumelo icônico que conferia poderes incríveis era inspirado na Amanita muscaria. Em quase todo o hemisfério norte, esse cogumelo tem sido utilizado em uma ampla variedade de rituais xamânicos para induzir um estado de "brisa". Além disso, esse fungo também é conhecido por sua capacidade de atrair e matar moscas domésticas. Essa tradição ancestral despertou o interesse inato da comunidade científica em desvendar as razões por trás dos efeitos ao nível molecular. Esse entusiasmo levou à descoberta do Ácido triclorômico, Ácido ibotênico e o Muscimol. Todos esses compostos compartilham a estrutura de um grupo isoxazolil, que tem sido objeto de inspiração para a criação de análogos. Dentro das discretas e bem financiadas indústrias com suas sigilosas patentes, essa informação foi amplamente explorada no desenvolvimento de ectoparasiticidas.
No início do século XXI, uma nova classe de compostos chamada isoxazolinas emergiu como uma alternativa para contornar as patentes dos inseticidas da classe das diamidas. Em 2005, a Nissan fez uma modificação crucial, substituindo a porção isopropil-heptafluor das diamidas por uma porção isoxazolina. Isso resultou na criação de uma molécula que, por serendipidade, gerou um composto com um mecanismo de ação totalmente inovador. A Nissan uniu forças com a Intervet para acelerar o desenvolvimento de um produto. Ambas foram incorporadas pela Merck-Sharp-Dohme (MSD Saúde Animal) para comercializar o Bravecto.
Apesar de o Fluralaner ter sua origem em uma patente mais antiga da Nissan, na corrida pelo desenvolvimento, a DuPont demonstrou maior agilidade. Ao explorar uma patente de 2000 que também continha um inseticida da classe das diamidas, a DuPont lançou no mercado o Afoxolaner (NexGard) em 2013, um ano antes do Fluralaner (Bravecto). Curiosamente, tanto a Nissan quanto a DuPont se inspiraram em inseticidas diamidas da Nihon Nohyaku, mesclando as estruturas com porções isoxazolinas.
Mecanismo de ação
Em invertebrados, os canais de cloreto ativados pelo ácido γ-aminobutírico (GABARs) e pelo glutamato (GluCls) desempenham o papel de receptores de neurotransmissores inibitórios cruciais, controlando funções fisiológicas vitais em alguns artrópodes. Esses canais desempenham um papel fundamental na regulação no processamento visual, locomoção, alimentação, acasalamento e aprendizado nesses organismos. Após a ligação de isoxazolinas, esses canais se ativam, permitindo o fluxo de íons de cloreto, o que resulta na supressão da excitação de neurônios e células musculares. Esses canais consistem em pentâmeros na membrana celular, compostos por subunidades contendo domínios extracelulares, domínios transmembranares e sítios de ligação para ativadores e bloqueadores. GABARs e GluCls são alvos altamente promissores para agentes ectoparasiticidas, incluindo compostos como organoclorados, avermectinas e moduladores alostéricos, como as isoxazolinas.
As isoxazolinas se destacam como a classe mais impressionante de novas moléculas inseticidas e acaricidas introduzidas na saúde animal no século XXI. Esses produtos trouxeram inovações vitais em um mercado previamente dominado pelo uso externo. A grande revolução até então foi feita pelo carrapaticida fibronil que age por um mês em aplicações tópicas (Topline Pour-On). A quebra desse paradigma veio com a ação prolongada por administração oral das isoxazolinas. Em cães isso trouxe benefícios significativos, oferecendo maior comodidade aos clientes, ao mesmo tempo em que reduz o potencial de exposição dos proprietários a substâncias potencialmente perigosas.
Inovação do Simparic
Fluralaner e afoxolaner inicialmente chegaram ao mercado como misturas racêmicas, porém tornou-se evidente que apenas um dos enantiômeros, o (S), exibia atividade. O isolamento do enantiômero ativo representou um considerável obstáculo para o aprimoramento dessa classe de compostos. Com o surgimento do Sarolaner, foi introduzida uma rota sintética capaz de produzir seletivamente o isômero puro. Essa característica não apenas permite a redução da dose necessária, eliminando o composto inativo do medicamento, mas também previne interações indesejadas do composto (R) com alvos não destinados.
O processo de descoberta do Sarolaner teve início com testes envolvendo derivados azetidina. O objetivo principal do processo de otimização destas azetidinas era obter compostos mais potentes e com um perfil farmacocinético superior aos de concorrentes. Durante a busca por patentes, os pesquisadores da empresa farmacêutica Zoetis optaram pela inclusão de grupos funcionais nitrilas, considerados benéficos para alcançar os objetivos desejados. Estruturas contendo grupos derivados de bromo eram intermediárias nesse processo. No entanto, durante essas tentativas, ocorreu uma espiro-anelação inesperada. Surpreendentemente, o produto resultante apresentava uma estrutura inovadora e promissora. Ao continuar a aprimorar essa nova estrutura por meio da síntese de diversos análogos, chegou-se à estrutura do Sarolaner, que atendia a todos os requisitos desejados para uma isoxazolina.
O SIMPARIC, como foi batizado o sarolaner, foi lançado no mercado em 2016. O sarolaner é mais potente que NexGard (aforalaner) e o Bravecto (Fluralaner). O sarolaner tem perfil farmacocinético excelente e pode ser adminstrado em cachorros pelo menos uma vez ao mês. Devido aos avanços recentes, como o lançamento do lotilaner (Credelio, Elanco) em 2017, novos derivados e combinações de isoxazolinas estão sendo desenvolvidos para aproveitar ao máximo a sua estrutura.
As isoxazolinas têm sido uma história de sucesso fenomenal, superando até mesmo os avanços anteriores feitos pela ivermectina e pelo fipronil. Em 2021, as vendas acumuladas das isoxazolinas superaram a estimativa de US$ 2,5 bilhões, e com fortes indícios de crescimento futuro, elas continuam sendo a oportunidade mais lucrativa na indústria de saúde animal.
Isoxazolinas para humanos
A reutilização de compostos de isoxazolinas apresenta uma grande promessa no controle de vetores em dose única, devido à sua eficácia comprovada contra uma ampla variedade de vetores de doenças relevantes. Nossos próprios corpos podem, potencialmente, servir como armadilhas contra esses insetos que representam ameaças significativas para a saúde humana. Naturalmente, estudos clínicos em seres humanos são essenciais para garantir a eficácia e segurança. Contudo, vislumbramos um futuro onde poderemos contar com um medicamento eficaz para combater ectoparasitoses em humanos, bem como os vetores da malária, dengue, zika e febre chikungunya.
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