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Cafeína

Prof. Euzébio Guimarães Barbosa - UFRN

Instagram: @farmacia_molecular

A cafeína é a substância psicoativa mais amplamente consumida em todo o mundo, sendo produzida por várias plantas, incluindo a erva-mate (usada na preparação de chimarrão e tereré), o chá (Camellia sinensis), noz de cola, guaraná, e, evidentemente, o café. A influência cultural transformadora da cafeína é notória na bebida quente mais apreciada globalmente. Esta bebida desempenhou um papel transformador na sociedade, na disseminação de hábitos secularizados e, acima de tudo, na promoção do pensamento científico organizado. Um exemplo notável é a fundação da Royal Society no século XVII, com a contribuição de entusiastas do café, como Robert Boyle, John Wilkins e outros intelectuais da época. Inúmeros manuscritos podem ser encontrados sobre o café, mas vamos explorar o seu principal princípio ativo, a cafeína, do ponto de vista molecular.

O químico alemão Ferdinand Runge foi o primeiro a isolar a cafeína em 1819, nomeando a substância como "Kaffebase" devido às suas propriedades básicas. Mais tarde, o pesquisador francês Pierre Joseph Pelletier renomeou a molécula como cafeína, e essa nomenclatura foi registrada no "Dictionnaire de Médecine" em 1821. Em um marco significativo, em 1895, o químico Emil Fischer não apenas elucidou a estrutura da cafeína, mas também desenvolveu uma rota sintética para essa substância química.

Por que plantas produzem cafeína?

Diversas plantas adquiriram a habilidade de produzir compostos da classe das metilxantinas. Essas substâncias são sintetizadas a partir da guanosina e adenosina, pertencentes à categoria dos nucleosídeos. A xantosina desempenha um papel crucial como intermediário na formação tanto da teobromina quanto da cafeína. O que se destaca nessa rota biossintética são as sucessivas etapas de metilação. A cafeína deve a isso a sua alta atividade no sistema nervoso central (SNC), em contraste com a teobromina, que apresenta um efeito psicoativo mais suave devido a um menor grau de metilação.


Mas afinal, por que uma planta desenvolveu a capacidade de produzir cafeína? A resposta pode residir nos efeitos tóxicos que essa molécula exerce sobre insetos, bactérias e fungos. Além disso, quando os frutos caem no solo, eles dispersam o composto, inibindo a germinação de vegetais concorrentes.

Mecanismo de ação da cafeína

Como a cafeína tem sido objeto de estudo por várias décadas, diversos alvos de interação em nosso organismo já foram identificados. No entanto, o efeito mais proeminente e amplamente reconhecido é a melhoria da cognição e da performance psicomotora quando a substância é ingerida, seja através de uma xícara de café pela manhã, pela a tradicional mateada, chá ou o consumo de bebidas energéticas. 

A ação molecular mais claramente estabelecida da cafeína está relacionada ao seu antagonismo dos receptores de adenosina A1 e A2A no cérebro. A grande similaridade estrutural entre as duas moléculas justifica tal mecanismo de ação. Quando estamos em estado de alerta, o sistema nervoso central (SNC) tende a converter suas reservas de ATP em adenosina. A adenosina acumulada interage com receptores de membrana específicos em algumas regiões do cérebro, desencadeando o processo de transição do estado de vigília para o sono. A cafeína atua bloqueando a ação da adenosina nesses neurônios, inibindo as respostas que normalmente induziriam sonolência, provocadas pela presença de adenosina acumulada no meio extracelular.


Além do cérebro, a adenosina também exerce influência no coração e no trato urinário. O bloqueio dos receptores de adenosina no coração resulta num efeito de taquicardia leve, enquanto no trato urinário pode levar a um aumento na produção de urina (diurese). Esse efeitos periféricos são também exercidos por outras metilxantinas presentes no mate e no chocolate. O consumo excessivo aumenta o risco de ataque de pânico e aumenta os níveis de ansiedade. 

Metabolismo

Metabolismo da caféina se dá no fígado onde é convertida em outras metilxantinas com menos número de metilas. O produto majoritário é a paraxantina que tem menor toxicidade que a cafeína. Os metabólitos da cafeína são excretados por via renal, enquanto a própria cafeína é fortemente reabsorvida no túbulo renal.


Associações com a Cafeína

Bebidas energéticas
A taurina é frequentemente associada à cafeína e é um componente comum em bebidas energéticas. Sua introdução nesse contexto ocorreu inicialmente no Japão, com o lançamento do Lipovitan D pela Taisho Pharmaceuticals, uma bebida considerada revigorante. O Lipovitan D continha taurina e várias vitaminas do complexo B. No entanto, o sabor dessa bebida energética era notoriamente desagradável (gosto de remédio). Essa desvantagem levou empreendedores tailandeses, em 1975, a criar o Krating Daeng (Touro Vermelho), que incluía taurina, inositol, cafeína e vitaminas B e sabor mais apetecível. Mais tarde, o empresário australiano Dietrich Mateschitz se deparou com essa maravilhosa e revigorante bebida tailandesa e exerceu um papel fundamental ao introduzir uma versão frizante no mercado europeu, que se tornou conhecida como Red Bull.



Analgésicos
A cafeína é frequentemente associdada com analgésicos como a dipirona e o paracetamol no Brasil. A associação destes componentes em um medicamento pode otimizar a ação analgésica, ou seja, o efeito contra a dor fica mais potente quando a cafeína está na mesma formulação. O mecanismo exato de ação pelo qual a cafeína alcança esses resultados ainda não é conhecido, mas acredita-se que o alívio da dor seja proporcionado pela inibição da COX em alguns locais e pelo bloqueio de receptores de adenosina central e periféricos.


Toxicidade

O consumo excessivo de cafeína pode levar ao desenvolvimento de uma condição conhecida como cafeinismo, que se caracteriza principalmente pelos seguintes sintomas: dores de cabeça, tontura, ansiedade, agitação, tremores, formigamento em torno da boca e nas extremidades, confusão, episódios de psicose, convulsões, palpitações ou batimentos cardíacos acelerados, dor no peito, náuseas, vômitos, desconforto abdominal, diarreia, incontinência intestinal e perda de apetite.

Além disso, o uso crônico de cafeína, seja proveniente do café ou de outras bebidas, pode resultar em tolerância. Isso ocorre devido a uma expressão mais exacerbada de receptores de adenosina no sistema nervoso central, o que implica na necessidade de um aumento da quantidade de cafeína para atingir o mesmo efeito outrora alcançado. A abstinência da cafeína, apesar de não ser muito severa, gera sintomas como dor de cabeça e outros desconfortos que podem durar por mais ou menos uma semana.

É importante mencionar que a combinação de bebidas energéticas com álcool pode aumentar o risco de alcoolismo devido à redução da sensibilidade aos efeitos negativos do álcool. Portanto, é fundamental consumir cafeína com moderação e estar ciente de como ela interage com outras substâncias, a fim de evitar complicações de saúde.

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