Prof. Euzébio Guimarães Barbosa - UFRN
@farmacia_molecular
Mais da metade da população brasileira está acima do peso ideal. Crianças e adolescentes enfrentam esse problema de forma crescente a cada ano. Os impactos da obesidade durante essas fases de desenvolvimento são extremamente prejudiciais para a vida adulta. Os ambientes obesogênicos atuais representam um perigo significativo para as crianças, pois elas estão constantemente expostas a opções alimentares não saudáveis, incluindo alimentos ultraprocessados, ricos em gordura, sódio, aditivos químicos e pobres em nutrientes. O aumento dos casos de diabetes tipo 2 está claramente relacionado à obesidade, dietas não saudáveis e ao sedentarismo. O Brasil está entre os países mais afetados por essa verdadeira pandemia.
FOTO: GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM
Não é por acaso que os medicamentos mais vendidos no Brasil estão relacionados ao combate ao diabetes tipo II e à obesidade. Isso se torna evidente quando observamos o enorme mercado da antiga metformina até o novo líder de vendas no país, o Ozempic. O Ozempic ocupa agora um lugar antes dominado pelo Saxenda, que é uma versão similar a outro fármaco, o Victoza. Todos esses medicamentos têm em comum a ação de imitar o hormônio GLP-1 (Glucagon-Like Peptide-1). Entre os numerosos efeitos metabólicos do GLP-1, destaca-se a estimulação da secreção de insulina dependente de glicose, a redução do esvaziamento gástrico, a supressão do apetite, a modulação da proliferação de células B no pâncreas e os efeitos neuro e cardioprotetores.
No Brasil, são comercializados diversos fármacos que atuam como o GLP-1. A Liraglutida (Victoza e Saxenda), a Lixisenatida (Lyxumia), a Dulaglutida (Trulicity) e a Semaglutida (Ozempic e Wegovy) são exemplos desses medicamentos. Para entender como esses medicamentos funcionam, precisamos voltar no tempo até os trabalhos de Daniel Drucker e a descoberta de que a saliva de um lagarto que tinha um papel importante no tratamento do diabetes tipo II.
GLP-1 e o monstro-de-Gila
O pesquisador canadense Daniel Drucker foi fundamental para a descoberta do GLP-1, um hormônio natural produzido no intestino delgado em resposta à ingestão de alimentos. Drucker e sua equipe de pesquisa desempenharam um papel crucial na identificação e caracterização desse hormônio na década de 1980. Eles descobriram que o GLP-1 desempenha um papel crucial na regulação dos níveis de glicose no sangue.
O próprio GLP-1 pode ser utilizado para o tratamento clínico do diabetes tipo II; no entanto, existe um grande problema. Ele tem uma duração de ação proibitivamente curta, principalmente devido à existência de uma enzima que o degrada facilmente, a DPP-4. Drucker e outros pesquisadores trabalharam então no desenvolvimento de medicamentos que mimetizam os efeitos do GLP-1, ou que bloqueiam a DPP-4.
Na mesma época, John Eng pesquisara o papel de peptídeos nos níveis de glicose de pacientes com diabetes. Eng acabou descobrindo, em sua triagem por novos medicamentos, que um peptídeo proveniente da saliva do lagarto-monstro-de-Gila tinha as propriedades desejadas. A exendin-4, ou sua versão sintética, a Exenatida, são muito semelhantes em estrutura ao GLP-1, com uma propriedade interessante: são resistentes à degradação pela DPP-4. Eng investiu $8.000 do seu próprio bolso para patentear a descoberta. A Amylin Pharmaceuticals se interessou pela patente e prosseguiu com o licenciamento do medicamento BYETTA em 2005. A empresa foi incorporada pela Bristol-Myers-Squibb por uma quantia bilionária em 2012.

Busca por análogos de GLP-1 de ação prolongada
O medicamento BYETTA tem que ser utilizado duas vezes por dia com a caneta aplicadora, o que não era muito agradável. Os concorrentes iniciaram uma busca incansável por novos compostos que pudessem ser administrados uma vez ao dia, ou até mesmo uma vez por semana. Para desenvolver esses análogos do GLP-1 de ação prolongada, foi conduzida uma pesquisa de Relação Estrutura-Atividade de análogos do GLP-1. Para realizar isso com um peptídeo, é realizado o que chamamos de 'alanine scanning'. Nesse processo, são feitas mutações específicas de um aminoácido por alanina, seguidas pela verificação da atividade biológica.

Verificou-se que o GLP-1 possui resíduos críticos para a atividade biológica, os quais não devem ser alterados, enquanto outros podem ser modificados para melhorar o perfil farmacocinético. Ao manter resíduos de aminoácidos essenciais e modificar o grupo N (zeta) de uma lisina, adicionando um glutamato e um grupamento palmitoil, surge a Liraglutida (Victoza). A Liraglutida, devido à sua cadeia de ácido graxo longa, faz uma ligação forte com a albumina, permitindo que o medicamento possa ser administrado apenas uma vez ao dia.
A albumina, juntamente com a IgG, são moléculas que possuem uma meia-vida extraordinariamente longa (2-3 semanas) no organismo. Além de terem um tamanho acima do limite de depuração renal, os longos períodos de meia-vida são atribuídos ao eficiente caminho de reciclagem mediado pelo receptor Fc neonatal (FcRn). O FcRn retira a albumina e a IgG do vacúolo lisossomo prevenindo a degradação. Associar-se à albumina é uma estratégia eficaz para melhorar o perfil farmacocinético, o que foi muito bem explorado pela Liraglutida. Já a estrutura do IgG foi perscrutada no desenvolvimento da Dulaglutida (Trulicity). A Dulaglutida só precisa ser administrada uma vez por semana, o que é realmente impressionante, isso devido ao FcRn. Além da baixa taxa de depuração, a cadeia análoga ao GLP-1 da Dulaglutida apresenta uma modificação que bloqueia a ação da DPP-4.

Somente em 2018 foi lançada uma nova formulação de exenatida com microesferas de PLGA. A formulação permitiu que o medicamento tivesse efeito por até uma semana. No entanto, já era tarde, pois a Semaglutida (Ozempic) já estava a caminho. Apesar de exenatida, liraglutida e dulaglutida terem o mesmo mecanismo de ação, ficou demonstrado que a semaglutida é muito superior no controle do diabetes e também na perda de peso. Na verdade, essa última propriedade foi decisiva para a intensa busca pelo fármaco. O medicamento faturou bilhões e até inspirou danças peculiares na internet em homenagem aos seus efeitos na perda de peso.

Assim como a liraglutida, a semaglutida aproveita a ligação com a albumina para aumentar significativamente a duração de ação do fármaco. O grupamento escolhido para a ligação à albumina na semaglutida possui um excelente equilíbrio entre solubilidade e afinidade. Outra preocupação era manter a afinidade com o receptor de GLP-1 ao mesmo tempo que se alcançava uma grande resistência à DPP-4. O aminoácido Aib (Ácido 2-Aminoisobutírico) foi utilizado com sucesso para esse fim. A semaglutida representa uma clara evolução em relação à liraglutida, tanto em potência quanto em perfil farmacocinético. Não é surpresa que o medicamento Ozempic domine atualmente o mercado de análogos do GLP-1. O medicamento com a dose mais otimizada para perda de peso, o Wegovy, foi aprovado em 2023, e a semaglutida também é o princípio ativo.
O reinado do Ozempic pode estar com os dias contados... será? Vem aí a Tirzepatida (Mounjaro, Lilly). O novo medicamento possui uma ação até então inédita, ativando não apenas os receptores de GLP-1, mas também os receptores do hormônio GIP (polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose). Os efeitos parecem ser significativamente superiores ao que o Ozempic pode oferecer.
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